Executivos e empresários (por Stephen Kanitz)

Embora publicado em 2003, este texto soa como atual, principalmente quando se trata de micro empresas.

EXECUTIVOS E EMPRESÁRIOS

Antigamente, revistas de negócios sempre traziam
na capa um grande empresário. Executivos como
Henrique Meirelles, Alain Belda e Carlos Ghosn
ficavam em segundo plano.

Por isso, a maioria dos brasileiros acredita até hoje
que empresários mandam no país, que são os "donos
do poder", e que um bando de empresários
internacionais, reunidos neste momento em Davos, está decidindo os rumos da humanidade.

Há muito tempo as companhias no resto do mundo não são mais dirigidas por empresários, e sim por administradores profissionais, sem laços de família nem mesmo de nacionalidade com aqueles.

Administradores profissionais são eleitos democraticamente por milhares de pequenos acionistas. Por sua vez, empresários são eleitos por cinco ou seis membros de uma única família. Administradores profissionais podem ser demitidos, e por isso pensam mais como trabalhadores que como acionistas. Empresários nunca são demitidos quando sabem controlar o capital da companhia, objetivo número 1 da empresa com ações em bolsa no Brasil. Por essa razão, nossa bolsa está morrendo.

Administradores profissionais competentes fazem o jogo político de conciliar interesses conflitantes de trabalhadores, clientes, ecologistas, fornecedores e acionistas. Os empresários administram quase que exclusivamente pensando nos interesses da família.

Da mesma forma que a separação da Igreja e do Estado foi um marco da evolução política da humanidade, a separação do empresário capitalista da gestão da empresa foi um importante avanço na evolução das companhias democráticas e pluralistas.

Aceito a crítica de que muitos gestores e executivos profissionais só defendem os acionistas controladores, mas aí o problema é do modelo econômico vigente, de negar aos acionistas majoritários que detêm até 85% do capital o direito de voto.

Nossos empresários e o Estado chegam a controlar empresas privadas ou estatais tendo somente 17% das ações, ao arrepio do alienável direito ao voto que está na Constituição. Nas empresas democráticas, em que todos têm o direito de voto, agradar a 5 milhões de acionistas é quase impossível, a não ser pela eficiência.

O problema da Enron e do capitalismo americano atual foi a criação dos bônus anuais e stock options para executivos, que passaram a agir cada vez mais como os capitalistas de antigamente e cada vez menos como os administradores profissionais que deveriam ser. Mas isso tem fácil solução. É só cortar esses privilégios.

Pela primeira vez um jornal de negócios brasileiro cria um prêmio não para empresários, mas para "reconhecer e prestigiar profissionais que inspiraram seus times com capacidade de liderança, ousadia e visão estratégica". Um prêmio para administradores, e não para capitalistas. O jornal Valor Econômico virou no ano passado uma importante página no jornalismo econômico. Uma quebra de paradigma não trivial. Abilio Diniz e Eugênio Staub, dois dos contemplados, são chamados agora de "gestores de empresas", e não mais de empresários, como de costume.

Dos 22 vencedores do ano passado, doze são formados em administração de empresas, quatro na FGV e dois em Harvard. Quebrou-se um paradigma cultural e do jornalismo brasileiro, a veneração do "empresário" como agente de mudanças, e introduziu-se a equipe de administradores profissionais no centro da questão.

A era do empresário terminou nos Estados Unidos em 1930, com os Rockefeller, Ford, Carnegie, que lentamente foram substituídos por administradores profissionais sem nenhum parentesco com a família. O século XX viu a substituição do acionista controlador pelo administrador conciliador, o que foi possibilitado pela pulverização do capital entre milhares de pessoas.

Com nada menos que setenta anos de atraso, estamos finalmente começando a trilhar o mesmo caminho, o caminho da democratização dos meios de produção.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1787, ano 36, nº 4, 29 de janeiro de 2003, página 20.



fonte www.kanitz.com.br